Devo proibir o meu filho de ir ao treino?

Devido aos longos períodos diários de aulas e à ocupação do tempo de lazer com actividades sedentárias, as crianças e jovens, que deveriam ser a faixa etária mais activa, não o são tanto quanto o desejável. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 80% dos adolescentes a nível mundial não pratica exercício com a frequência e a intensidade adequadas.

A Active Healthy Kids Global Alliance avaliou que grande parte das crianças e adolescentes portugueses não são suficientemente activos e que excedem o tempo recomendado em frente ao ecrã.

Está comprovado que um estilo de vida saudável ​​aumenta, a longo prazo, os níveis de saúde e bem estar dos jovens. No entanto, poucos estudos investigaram os efeitos da prática de exercício físico na memória.

Em Espanha, investigadores utilizaram uma abordagem qualitativa e realizaram inquéritos aos pais, onde foram feitas perguntas sobre as actividades extra curriculares, horas passadas em frente ao ecrã e se jogavam jogos de tabuleiro ou videogames. Posteriormente, foi pedido às crianças que realizassem uma tarefa que consistia em assistir a uma sequência de estímulos e posteriormente relembrar a ordem dos mesmos.

Através do estudo citado, foi possível verificar que baixos níveis de atividade física extracurricular aos 4 anos de idade foram associados a um pior desempenho cognitivo em termos de memória cognitiva aos 7 anos de idade. Os comportamentos sedentários aos 6 anos de idade foram associados à deterioração da memória cognitiva aos 14 anos. No que respeita ao tempo de ecrãs, não encontraram associações negativas com a memória cognitiva. Este estudo apresentou lacunas no que respeita à monitorização dos tipos e géneros de programas visualizados pela amostra, tendo em conta que tipos de visualização de programas de teor violento foram associados a um pior desenvolvimento cognitivo num estudo anterior.

Este estudo mostrou que um nível baixo da prática de atividade física em idade pré-escolar pode estar associada a uma memória cognitivamais deteriorada em vida adulta. Portanto, é importante que, como treinadores, professores e pais, repensemos a oferta de jogos divertidos e estruturados para todas as idades (antes e durante a escola). Além disso, uma memória cognitiva fraca pode ser um factor limitante no sucesso escolar, podendo ter implicações a longo prazo. Embora existam opiniões divergentes sobre a relação entre actividade física e o desempenho escolar, é claro que a actividade física é um suporte e faz parte integrante da educação.

De acordo com este estudo, o comportamento sedentário pode influenciar negativamente a maturação cognitiva na adolescência, mas apenas em crianças do sexo masculino. Os autores não conseguiram oferecer uma explicação para este facto. Novos estudos deveriam incluir uma amostra maior e comparar os efeitos do comportamento sedentário entre géneros ao longo do tempo.

Como treinador, é importante que as nossas sessões nutram e desenvolvam o atleta de forma adequada, considerando o contexto. Ao longo da maturação, as áreas do cérebro responsáveis ​​pela resolução de problemas, pensamento racional e processamento de informações também  se estão a desenvolver. Portanto, exercícios que fornecem poucas informações sobre as regras que constituem uma tarefa (uma tarefa implícita) e os exercícios que são “focados na tarefa” (uma tarefa explícita) são benéficos, pois “treinam” o pensamento consciente  e inconsciente.

Um exemplo de uma tarefa implícita pode ser uma corrida simples, onde nós como técnicos, avaliamos a mecânica do movimento enquanto eles simplesmente correm. Esta pode, também,  ser de natureza explícita, se lhes for pedido que pensem na técnica e corram com os “joelhos altos”, dirigindo a atenção para o joelho.

Os planos de desenvolvimento a longo prazo, normalmente têm em consideração as adaptações físicas que acompanham o crescimento durante a infância e a adolescência. No entanto, o desempenho cognitivo é claramente afectado pelo desenvolvimento e deve ser potencialmente considerado durante a prescrição. Essas iniciativas foram discutidas em estudos em sessões implícitas e explicitamente projetadas, que mostram maiores competências de processamento do pensamento e retenção deaaprendizagem a longo prazo.

Um factor interessante a considerar que não foi realmente investigado, é  quanto tempo duram as melhorias de desempenho para a memória cognitiva após uma sessão de treino. Por exemplo, sabemos que a atividade aeróbica pode aliviar o stress e melhorar a memória e a capacidade de raciocínio. Porém, a actividade física realizada na segunda-feira melhora a memória cognitiva na hora, dia ou semana seguinte? Estas perguntas ajudar pais, treinadores e cientistas nos seus argumentos “a favor” da actividade física e, potencialmente, a justificativa de um exercício implícito ou explícito.

Outra descoberta interessante foi que crianças cujas mães tinham menor escolaridade passavam mais tempo a ver TV.  Esta afirmação carece de mais investigação, mas pode sugerir que é necessário instruir os pais para a importância da actividade física!

A título pessoal e, não querendo colocar-me no vosso lugar de pais, peço aos pais e/ou educadores que nunca castiguem os vossos filhos com a proibição de ir ao treino/prática da actividade física. Apoiem e encorajem o treino e a actividade física. Pelo bem estar físico e psicológico dos vossos filhos!

Bibliografia:

https://www.publico.pt/2017/06/11/desporto/noticia/criancas-activas-e-saudaveis-que-nota-tem-portugal-numa-comparacao-mundial-1775174

https://www.activehealthykids.org/portugal/

https://journals.humankinetics.com/view/journals/jpah/15/s2/article-pS398.xml

IS PHYSICAL ACTIVITY ESSENTIAL FOR A HEALTHY BRAIN? López-Vicente, M., et al., 2017. The Journal of Pediatrics, 188, pp.35-41.