
É de conhecimento geral que o estímulo físico intenso constitui um agressor ao organismo, em particular às estruturas do aparelho locomotor, e que tende a provocar dano estrutural aos tecidos musculares. Como consequência deste efeito, é normal o treino intenso ser acompanhado de um aumento dos sinais (concentração da creatina-quinase no sangue) e sintomas (percepção da fadiga) de dores musculares. Este fenómeno é consequência do estado inflamatório local de pequenas proporções nas componentes musculotendinosas, com maior incidência junto às junções miotendinosas, e é conhecido na literatura científica como delayed onset muscle soreness (DOMS).
Durante muitos anos o alongamento tem sido usado como forma de prevenir o aparecimento do DOMS, através da sua aplicação antes da componente principal das sessões de treino, mas também como modo de acelerar o processo de recuperação entre sessões de treino. No entanto, graças à investigação prática, tem se observado que a prática de alongamento não previne o aparecimento de DOMS decorrente de uma sessão de treino e, também não acelera a recuperação entre sessões de treino. Pelo contrário, tem sido sugerido que, quando praticado com intensidade e durações elevadas, tende, inclusivamente, a acentuar os sinais e sintomas de DOMS. Isto tem particular importância se nos recordarmos que o alongamento estático é praticado após sessões em que o estímulo físico tem um caracter altamente destrutivo para as componentes musculares e, deste modo, o alongamento potencia ainda mais a magnitude e duração do DOMS.
Por outro lado, vários estudos têm verificado que níveis de flexibilidade elevados (elevada amplitude articular e reduzida resistência ao alongamento) e práticas regulares e sistematizadas de alongamento aparentam ser, a longo prazo, um factor protector contra a manifestação de DOMS.
Mchugh e colegas (1999) verificaram que indivíduos com maiores níveis de flexibilidade da flexão da coxa com a perna em extensão e com menores níveis de rigidez passiva das estruturas alongadas (posteriores da coxa aka hamstrings) apresentaram manifestações despec e DOMS com menor intensidade, após a aplicação de um protocolo de força, em comparação com sujeitos com menores níveis de flexibilidade e, ao mesmo tempo, maiores níveis de resistência ao alongamento. Isto sugere que o papel do alongamento poderá ser benéfico na ocorrência e magnitude dos sinais e sintomas de DOMS, não entre sessões mas sim a longo prazo através do desenvolvimento dos níveis de flexibilidade.
Em resumo, visando a não manifestação de DOMS, os alongamentos parecem ter duas respostas opostas dependendo do intervalo temporal em que são observados os efeitos:
- A curto prazo – não diminui os sinais e sintomas de DOMS e, pelo contrário, tende geralmente a aumentar o DOMS.
- A longo prazo – reduz a magnitude dos sinais e sintomas após o treino.
Tendo em conta a evidência demonstrada nos últimos artigos, é por estas razões que todas as nossas aulas têm uma parte especificamente dedicada ao desenvolvimento da flexibilidade, direcionado a movimentos que contemplem os grupos musculotendinosos que serão alvos dos estímulos susceptíveis de desencadear a manifestação de DOMS.
Já os alongamentos na parte final dos treinos não são obrigatórios, contudo, são recomendados.
Bibliografia:
McHugh, M., Conolly, D., Eston, R., Kremenic, I., Nicholas, S., & Gleim, G. (1999) The role of passive muscle stifness in symptoms of exercise-induce muscle damage. The American Journal of Sports Medicine, 277(5), 594-599
Correia, Pedro., Mil-homens, Pedro., Mendonça, Gonçalo. (2017) Treino da Força – Avaliação, Planeamento e Aplicações. Faculdade Motricidade Humana, 138-139